29 de agosto de 2009

A "elite" brasileira e a "negrada"

Por: http://www.castagnamaia.com.br/blog/

Sobre "elites" e "povão".

O problema é a negrada. E também os índios. E pior: o problema é a mistura, um povo preguiçoso e sem iniciativa.

II - Essa era a base do raciocínio da “elite”, da aristocracia, até a Revolução de 1930. Tivemos alguns ciclos econômicos: o da borracha, em Manaus; o do café, em São Paulo; o do cacau; o da cana, no nordeste. Ali estava o dinheiro. E ali estava a aristocracia, que não raro usava trajes pesados, europeus, neste nosso calor tropical.

III - E aí vieram idéias de “purificar” as raças. Antes disso houve Cesare Lombroso, na Itália, catalogando as gentes pela aparência física. Depois, iniciam as teorias da eugenia. A melhora pela genética. Havia raças superiores, havia raças inferiores. Era preciso esterilizar as raças inferiores.

IV - Nesse meio tempo, foi o grande Getúlio quem editou um Decreto obrigando os clubes de futebol a aceitar negros. O esporte era absolutamente elitista. E também foi Getúlio quem resolveu cadastrar as escolas de samba no Rio e aportar recursos a título subvenção. Ali o samba cresceu, ali Noel explodiu, e veio Chico Buarque, claro, como o grande herdeiro de Noel, quase sua reencarnação. Também no futebol e no samba há Getúlio Vargas.

V - Mas como podia a negrada, esse povo mestiço, desenvolver alguma coisa? E aí veio a Petrobrás. E foi ridicularizada: aqui não há petróleo, disseram as multinacionais. E havia. E veio o ITA - o Instituto Tecnológico da Aeronáutica. Um centro de excelência extraordinário, boicotado à exaustão pelo Brigadeiro Eduardo Gomes, o grande chefe da UDN, para tristeza do Brigadeiro Montenegro. E veio a PanAir, obra, também, da nossa genialidade.

VI - Nelson Rodrigues é quem apanha genialmente isso: conta a história da seleção brasileira. Nossos negrinhos e nossos misturadinhos lá, enfrentando os arianos. Não sabíamos que éramos geniais. Comportávamo-nos como vira-latas, e éramos tratados como vira-latas: a botinadas. “De nossa boca, pendia a baba elástica e bovina das humildades abjetas”, disse Nelson. E aí nos revelamos geniais no futebol.

VII - Éramos geniais no futebol, éramos geniais na música. Vários ritmos, uma criatividade explosiva. E fomos geniais na criação do ITA, e fomos geniais na criação e no desenvolvimento da Petrobrás. E fomos geniais, também, na criação do BNDE, hoje BNDES, para apoiar a indústria. E fomos geniais, também, na criação do Banco da Borracha e na criação do Banco do Nordeste do Brasil. E somos geniais até hoje: pergunte se o “chef” do restaurante francês da sua cidade não é cearense. É cearense, sim. Veja a quantidade de músicos, de cientistas brasileiros no mundo.

VIII - Mas essa mesma aristocracia que usava casacões continuava a duvidar da “negrada”, da “mestiçagem”. De um lado, a velha aristocracia latifundiária pecuarista, ou cafeicultora, ou cacaueira. De outro lado, surgia a burguesia industrial. Ali tínhamos o Conde Matarazzo. Tivemos o Senador José Ermírio de Moraes. Tivemos Mário Wallace Simonsen - não o economista, o empresário dono da PanAir.

IX - Pois ali havia um conflito: a burguesia brasileira contra a aristocracia cafeicultora, cacaueira, pecuarista, canavieira. E tivemos grandes, extraordinários empresários. mas permanecia o velho conflito. Permanecia a visão aristocrática, de casacões de lã, de que este País não daria certo, contrariamente à opinião da burguesia brasileira. Era - e é - a aristocracia contra a burguesia e o povo.

X - Digo isso porque no programa Roda Viva, aquele que entrevistou o Ministro Chefe da AGU, havia um jornalista do Estadão que, do alto da sua pretensão de vassalo da aristocracia cafeicultora, resolveu ridicularizar a questão do petróleo do pré-sal. Ridicularizou o tema. Deixou claro que nós, a negrada, a mestiçagem, não temos condições, nem inteligência, nem dinheiro, para desenvolver o pré-sal. Precisamos dos arianos, dos sangue-puro, da branquelagem.

XI - Está aí a síntese. O “complexo de vira-latas” é a evidência absoluta do racismo que persite. Não diz respeito aos brancos, tão somente. Diz respeito a nós, brasileiros. O racismo, aqui, se volta contra todo o povo, contra todos os brasileiros, até mesmo contra os que têm olhos azuis. Se dependesse dessa gente, como o sujeito do Estadão, não teríamos o ITA, a Petrobrás, a Votorantim, o grupo Matarazzo. E mais: foi Fernando Henrique que, em sua festejada obra, referia a “vocação caudatária da burguesia nacional”. Segundo ele, na sua “Teoria da Dependência”, há uma vocação da burguesia nacional para simplesmente se atrelar, de forma secundária, aos grandes grupos econômicos internacionais. Não é verdade. Essa vocação é da aristocracia rural, não da verdadeira burguesia brasileira. Aqui cito, de novo, o Conde Matarazzo, o Senador José Ermírio de Moraes, Mário Simonsen, Rubem Berta, cito Raul Randon, empresários nacionais que tiveram um papel extraordinário no desenvolvimento do Brasil. Ou seja, tivemos - e em parte temos - uma burguesia extraordinária, inovadora, industrial, que faz frente ao que há de melhor, de mais avançado, no mundo.

XII - O jornalista do Estadão nos olha de cima: os “negrinhos”, os “misturadinhos”, conseguirão explorar o pré-sal? Ora, é preciso entregar para as multinacionais. Olhe a telefonia - uma exploração cotidiana, uma extorsão brutal. Olhe a energia elétrica, também no mesmo rumo. Desde quando a Espanha foi referência em bancos? Desde quando Portugal teve tecnologia bancária para exportar? Desde quanto a Itália foi modelo de telefonia? São estrangeiros que nada acrescentaram aqui. Mas é preciso desfazer da nossa gente, da nossa tecnologia, da nossa inteligência. É preciso ridicularizar tudo. É preciso manter um ar aristocrático - europeu, na nobreza, e norte-americano, na grosseria, e esculhambar tudo o que é brasileiro. Olhe só a quantidade de pilotos de aviação civil que formamos e exportamos; olhe a quantidade de engenheiros; olhe nossos doutores que estão até mesmo na Nasa. Olhe a quantidade de brasileiros que são professores em universidades de primeira linha em outros países. É povo nosso, brasileirinho, misturadinho, formado neste nosso grande caldeirão festejado por Darci Ribeiro. Olhe Felipe Massa.

XIII - Não tenha ilusão, amigo. A mesma mentalidade que levou à quebra da PanAir, à quebra da TV Excelsior, à quebra do jornal Última Hora, à privatização da Vale do Rio Doce, é exatamente a mesma: a “negrada”, a “mestiçagem”, não sabe produzir, não sabe pensar, não trabalha porque é preguiçosa. Então vem um um golpe de cima e quebra a empresa. É o que houve com a PanAir, com a Excelsior, com a última hora. Quebra-se a empresa, boicota-se, e depois a culpa é jogada no povo brasileiro.

XIV - Foi uma grande oportunidade aquela da entrevista: ver um sujeito tão desnudo em suas opiniões: o pré-sal é ridículo; o Brasil é um País ridículo; qualquer espanhol grosseiro é mais ingeligente do que nós, qualquer norte-americano picareta é mais esperto do que nós, qualquer padeiro francês é mais criativo do que nós, qualquer nobre decadente italiano nos joga no chão. Ou seja, somos um povo rasteiro, que precisa ser conquistado. Esqueçamos o sucesso da Petrobrás, da Vale, da Matarazzo, do ITA, da siderurgia que criamos. Esqueçamos o pró-alcool, nossos cientistas. Esqueçamos tudo.

XV - O que há por detrás disso, amigo, é o velho racismo dos “carcomidos”, como eram chamados os defensores da República Velha, ou seja, dos que foram derrubados por Getúlio em 30. O sujeito do Estadão apenas verbalizou isso, do alto da autoridade de representante do jornal que combateu Getúlio, do representante da aristocracia cafeicultora, e que depois apoiou o golpe de 64.

XVI - Enfim, é isso: na visão deles, nós, a negrada, a mestiçagem, não conseguiremos fazer nada. E precisamos ser tutelados por consultores picaretas norte-americanos, padeiros franceses, comerciantes espanhóis, técnicos em mecânica alemães, nobres decadentes italianos e afetados almofadinhas ingleses. Basta ser estrangeiro que é bem vindo e é superior a nós. E esse pessoal servil será festejado por gente igual a esse jornalista que buscou ridicularizar a questão do petróleo do pré-sal. E esse pessoal servil será contratado por essa gente, receberá anúncios dessa gente, será consultor dessa gente, será convidado a fazer visitas “culturais” àqueles países, com tudo pago.

XVII - Amigo, é tudo a mesma mentalidade: o Brasil não pode ser grande, embora seja. Tudo deve ser esculhambado, tudo deve ser aviltado, tudo deve ser difamado. Isso diz respeito à PanAir, à Varig, ao petróleo do Pré-Sal, à Excelsior, ao Pró-Álcool. É a mesma matriz de pensamento, a que busca nos subjugar, nos aviltar, nos humilhar. É que a diz que trabalhador é preguiçoso, que aposentado é vagabundo e já ganha demais. A discussão de uma grande companha aérea internacional está aí. A discussão da tecnologia brasileira está aí: ou a mestiçagem que precisa ser tutelada, ou a grandeza, a genialidade, a alegria da nossa raça brasileira. Escolha.

15 de agosto de 2009

Somos Racistas

Por Landro Fortes

(veja vídeo abaixo)

Enquanto interessava às elites brasileiras que a negrada se esfolasse nos canaviais e, tempos depois, fosse relegada ao elevador de serviço, o conceito de raça era, por assim dizer, claríssimo no Brasil. Tudo que era ruim, cafona, sujo ou desbocado era “coisa de preto”. Nos anos 1970 e 1980, na Bahia, quando eu era menino grande, as mulheres negras só entravam nos clubes sociais de Salvador caso se sujeitassem a usar uniforme de babá. Duvido que isso tenha mudado muito por lá. Na cidade mais negra do país, na faculdade onde me formei, pública e federal, era possível contar a quantidade de estudantes e professores negros na palma de uma única mão.

Pois bem, bastou o governo Lula arriscar-se numa política de ações afirmativas para a high society tupiniquim berrar para o mundo que no Brasil não há racismo, a escrever que não somos racistas. Pior: a dizer que no Brasil, na verdade, não há negros.

Antes de continuar, é preciso dizer que muita gente boa, e de boa fé, acha que cota de negros nas universidades é um equívoco político e uma disfunção de política pública de inserção social. O melhor seria, dizem, que as cotas fossem para pobres de todas as raças. Bom, primeiro vamos combinar o seguinte: isso é uma falácia que os de boa fé replicam baseados num raciocínio perigosamente simplista. Na outra ponta, é um discurso adotado por quem tem vergonha de ter o próprio racismo exposto e colocado em discussão. Ninguém vê isso escrito em lugar nenhum, mas duvido que não tenha ouvido falar – no trabalho, na rua, em casa ou em mesas de bares – da tese do perigo do rebaixamento do nível acadêmico por conta da presença dos negros nos redutos antes destinados quase que exclusivamente aos brancos da classe média para cima – paradoxalmente, os bancos das universidades públicas.

Há duas razões essenciais que me fazem apoiar, sem restrições, as cotas exclusivamente para negros. A primeira delas, e mais simples de ser defendida, é a de que há um resgate histórico, sim, a ser feito em relação aos quatro milhões de negros escravizados no Brasil, entre os séculos XVI e XIX, e seus descendentes. A escravidão gerou um trauma social jamais sequer tocado pelo poder público, até que veio essa decisão, do governo do PT, de lançar mão de ações afirmativas relacionadas à questão racial brasileira – que existe e é seríssima. Essa preocupação tardia das elites e dos “formadores de opinião” (que não formam nada, muito menos opinião) com os pobres, justamente quando são os negros a entrar nas faculdades (e lá estão a tirar boas notas) é mais um traço da boçalidade com a qual os crimes sociais são minimizados pela hipocrisia nativa. Até porque há um outro programa de inserção universitária, o Prouni, que cumpre rigorosamente essa função. O que incomoda a essa gente não é a questão da pobreza, mas da negritude. Há contra os negros brasileiros um preconceito social, econômico, político e estético nunca superado. O sistema de cotas foi a primeira ação do Estado a enfrentar, de fato, essa situação. Por isso incomoda tanto.

Em tempo: o leitor Antonio Carlos Bicarato me passou o link de um quadro da antiga (e sensacional) TV Pirata que ilustra com perfeição esse conflito racial mal escondido do Brasil. Como bem refletiu Bicarato, alguém consegue imaginar uma coisa assim, hoje, nessa péssima e politicamente correta tevê aberta brasileira?