18 de outubro de 2009

O egoísmo cego da elite

Por Eduardo Guimarães



Quando vejo cenas de guerra como essas que mostra o vídeo acima, contendo reportagem da Globo sobre o helicóptero da Polícia que foi abatido a tiros por traficantes no Rio de Janeiro neste sábado, o que me espanta não são as cenas ou o fato em si, mas a reflexão sobre como é possível que a elite branca não entenda que, sem progresso social, tais cenas continuarão se tornando cada vez mais comuns, e a ameaça aos que “têm”, cada vez mais intensa.

A casta social a que me refiro pode ser encontrada em retrato fiel nas novelas da Globo, por exemplo. São 90% de brancos de olhos claros e nomes europeus, os quais, em certos círculos sociais, parecem muitos, mas que não correspondem a 10% da população misturada deste país, e que, de forma absolutamente inacreditável, ficam com quase todas as vagas no ensino superior público (o de melhor qualidade no país), com as melhores oportunidades no mercado de trabalho, que ocupam os poucos bairros “nobres” das grandes cidades, que têm acesso ao melhor da Segurança Pública, das obras urbanísticas etc.

A elite racial brasileira é dona de jornais centenários, canais de televisão – transformados em propriedade eterna apesar de serem concessões públicas – e de todo o resto do grande aparato de comunicação de massa do país. Além disso, é dona das maiores empresas, ocupa os melhores empregos, domina a dramaturgia, a literatura, as ciências e tudo mais de melhor e mais avançado que o Brasil produz.

Essa concentração anômala de riqueza e de oportunidades foi o que provocou, nas massas empobrecidas, um sentimento de desesperança quanto às possibilidades do homem do povo de crescer na vida, fazendo com que jovens negros e favelados, por exemplo, declarem serenamente que preferem morrer jovens nas mãos da polícia ao cometerem crimes, contanto que tenham dinheiro para desfrutar dessa breve vida numa sociedade consumista, na qual, sem dinheiro para carros, roupas e baladas, o jovem se sente uma nulidade.

Os programas sociais de gastos vultosos e as políticas afirmativas deste governo e o próprio discurso igualitário do presidente da República têm servido como uma espécie de colchão amortecedor das tensões sociais. Sem a esperança de vencer na vida com honestidade que o Estado tem dado a essa massa empobrecida nos últimos anos, tenho certeza absoluta que a guerra civil que o vídeo acima mostra já teria sido deflagrada oficialmente – e em nível muito mais alto.

Mas o egoísmo, a vontade de ser uma casta em meio a uma ralé ignara e desqualificada profissional, cultural e intelectualmente, impede essa elite de enxergar o que está acontecendo neste país que mantém um nível de confronto social como o que se vê na reportagem sobre a derrubada do helicóptero da Polícia por traficantes no Rio.

Há, sim, o criminoso mau-caráter, aquele que não caiu na criminalidade pela pobreza e pela necessidade inclusive de sobreviver, sendo ele muitas vezes de classe média. É a mentalidade consumista, importada sobretudo dos Estados Unidos e que tanto encanta essa elite racial brasileira, o que enlouquece uma juventude que vê na posse de bens materiais o verdadeiro sentido da vida.

Todavia, ouso afirmar que a quase totalidade da “criminalidade” brasileira é oriunda da pobreza e até da miséria. Em suma, da falta de perspectiva de ascensão social por vias normais que leva legiões de jovens a buscar por qualquer meio tal ascensão, nem que seja por meio da criminalidade.

Enquanto isso, os ideólogos dessa separação por castas que exclui as massas morenas e negras das universidades, dos clubes, dos bairros etc., permitindo nesses lugares apenas amostras do biótipo predominante no país, continuam elaborando a sustentação desse estado de coisas através até da afirmação estupefaciente de que “não somos [a elite branca] racistas”, dizendo que políticas inclusivas como a de cotas para negros nas universidades seriam o que separaria uma sociedade que sempre esteve separada.

Não há nação socialmente injusta, neste nível da nossa, que conheça a paz social. Não há nação que viva essa sonegação de oportunidades a setores étnicos tão majoritários que não esteja mergulhada na violência e na criminalidade. E não há segurança para os brancos ricos em sociedades assim.

Em Julho, estive na África do Sul e pude constatar in loco a que ponto a opressão racial pode levar uma nação. Naquele país no qual a minoria branca oprimiu a maioria negra de uma forma como a minoria branca brasileira sonha oprimir a maioria negra e mestiça, os brancos ou fugiram ou vivem praticamente escondidos em bunkers. Quando têm que sair às ruas, o medo em seus rostos é quase palpável.

No Brasil, porém, a elite branca, racista e socialmente separatista continua acreditando que poderá manter a maioria negra (sobretudo os jovens) conformada em seus guetos sem ousar aspirar o sucesso e o bem estar social da casta racial dominante. Inverte os fatos e acusa políticas afirmativas como as cotas de “discriminatórias”, chama o Bolsa Família de “esmola” etc. E combate Lula com ódio apesar de ser ele quem está mantendo as belas cabeças loiras da elite unidas aos seus alvos pescoços.

4 de outubro de 2009

Os vira-latas tentam atrapalhar a festa do Rio 2016

(ver imagem abaixo)

Por Rodrigo Vianna

O complexo de vira-lata segue fortíssimo em nosso país. Se bem que, agora, parece mais restrito a setores da classe média...

Falo das estranhas reações a esse acontecimento maravilhoso: a vitória do Rio como sede das Olimpíadas de 2016.

Estava eu fora do alcance da internet - gravando uma reportagem nas proximidades de Iguape, no litoral sul de São Paulo - quando o Rio foi anunciado vencedor.

Comemorei, em mensagens enviadas por celular à minha mulher - que é carioca.
Quando cheguei a São Paulo, na noite desta sexta, também comemorei com meu filho Vicente, outro nascido no Rio de Janeiro.

Em qualquer lugar do planeta seria mesmo motivo para comemorar. Mas, no Brasil, aparecem nessas horas os corvos agourentos: e a a corrupção? e as favelas? e a violência?

Mas que diabos! Parece-me tão óbvio que Olimpíadas não são (nem nunca serão) o remédio para nossos problemas seculares, parece-me isso tão óbvio (repito!) que sinto até vergonha de precisar argumentar diante de certas coisas que comecei a ouvir e a ler, assim que botei os pés de novo em São Paulo, nesta histórica sexta-feira.

Aos poucos, fui-me lembrando das diferenças entre Rio e São Paulo. Paulistano que sou, posso dizer sem medo de errar: parte das pessoas que vivem aqui na minha terra não gosta muito do Brasil. A verdade é essa.

Acima, dois brasileiros que já superaram o complexo do vira-lata

Era esse o tom dos comentários que ouvi no rádio do carro, a caminho de casa. O locutor ia lendo os e-mails dos ouvintes, que criticavam a escolha do Rio: eram comentários mal-humorados, ranhetas, complexados.

No futebol, o brasileiro superou esse complexo de vira-lata. Nelson Rodrigues foi quem cunhou a expressão. Foi ele também quem mostrou como Pelé, com sua pose de rei, indicava a seus colegas em campo: somos fortes, somos bons, falta só acreditar em nós mesmos.

Lá pelas décadas de 50/60, com Pelé, superamos o complexo. Mas só no futebol. A síndrome do vira-lata infeliz continuou a nos abater em outras áreas...

Os mais pobres, em anos recentes, parecem ter vencido o complexo. Até porque não têm muita escolha. São brasileiros até o último fio de cabelo. Para o bem e para o mal. Melhor brigar e trabalhar pra fazer desse país uma terra um pouco melhor.

A vitória e a reeleição de Lula são a prova de que parte dos brasileiros, especialmente os de origem mais humilde, superou o complexo. É uma parcela de brasileiros que foi capaz de eleger um homem monoglota, sem estudo, e além de tudo sem um dedo (ah, como essa marca do trabalho braçal incomoda nossas elites!) para liderar o país.

Em contrapartida, a escolha - por duas vezes - de um presidente com esse perfil parece ter acirrado ainda mais o complexo de vira-lata, entre certos setores de nossa classe média. É uma parte dos brasileiros (e como são numerosos em São Paulo) que não gostam de ser brasileiros. Gostam de ser netos de italianos, bisnetos de alemães, trinetos de poloneses, tataranetos de espanhóis.

Eles se envergonham do Lula que discursa em "português" na cerimônia do comitê olímpico (ouvi um sujeito falando disso hoje na rua). Queriam que discursasse em javanês?

Eles se envergonham do Lula que chora (link). Preferiam, talvez, o tom afetado daquele outro presidente [Fernando Henrique Cardoso], que adorava fazer piadas sem graça, e preferia discursar em francês ou inglês (tremendo complexo de vira-lata) para agradar os gringos...

Com Lula, o Brasil deixou de se ver como colônia.

Os problemas do Brasil - com ou sem Olimpíadas - são enormes. Cabe a nós resolvê-los. Podemos tentar fazer as duas coisas ao mesmo tempo: cuidar de nossos problemas, e organizar as Olimpíadas. Isso parece uma obviedade sem tamanho!

Ou alguém acha - por exemplo - que um sujeito, só porque ainda está pagando as prestações da casa, não pode fazer uma bela festa de fim-de-ano para os vizinhos e os amigos?

A escolha do Rio é reconhecimento da grandeza do Brasil. Não deve nos fazer ufanistas. Mas a verdade é que merecemos comemorar. Sem dar bola para os corvos agourentos. Eles que curem seus complexos viajando para Miami nas férias. E deixem o Brasil trabalhar para fazer uma bela Olimpíada em 2016.

Parabéns ao Rio. Viva o Brasil.

3 de outubro de 2009

O Rio deve essa ao Lula


Por Leandro Fortes

Lula poderia ter agido, como muitos de seus pares na política agiriam, com rancor e desprezo pelo Rio de Janeiro, seus políticos, sua mídia, todos alegremente colocados como caixa de ressonância dos piores e mais mesquinhos interesses oriundos de um claro ódio de classe, embora mal disfarçados de oposição política. Lula poderia ter destilado fel e ter feito corpo mole contra o Rio de Janeiro, em reação, demasiada humana, à vaia que recebeu – estranha vaia, puxada por uma tropa de canalhas, reverberada em efeito manada – na abertura dos jogos panamericanos, em 2007, talvez o maior e mais bem definido ato de incivilidade de uma cidade perdida em décadas de decadência. Vaiou-se Lula, aplaudiu-se César Maia, o que basta como termo de entendimento sobre os rumos da política que se faz e se admira na antiga capital da República. Fosse um homem público qualquer, Lula faria o que mais desejavam seus adversários: deixaria o Rio à própria sorte, esmagado por uma classe política claudicante e tristemente medíocre, presa a um passado de cidade maravilhosa que só existe, nos dias de hoje, nas novelas da TV Globo ambientadas nas oníricas ruas do Leblon.

Lula poderia ter agido burocraticamente a favor do Rio, cumprido um papel formal de chefe de Estado, falado a favor da candidatura do Rio apenas porque não lhe caberia falar mal. Deixado a cidade ao gosto de seus notórios representantes da Zona Sul, esses seres apavorados que avançam sinais vermelhos para fugir da rotina de assaltos e sobressaltos sociais para, na segurança das grades de prédios e condomínios, maldizer a existência do Bolsa Família e do MST, antros simbólicos de pretos e pobres culpados, em primeira e última análise, do estado de coisas que tanto os aflige. Lula poderia ter feito do rancor um ato político, e não seria novidade, para dar uma lição a uma cidade que o expôs e ao país a um vexame internacional pensado e executado com extrema crueldade por seus piores e mais despreparados opositores.

Mas Lula não fez nada disso.

No discurso anterior à escolha do Comitê Olímpico Internacional, já visivelmente emocionado, Lula fez o que se esperava de um estadista: fez do Rio o Brasil todo, o porto belo e seguro de todos os brasileiros, a alma da nacionalidade. Foi um ato de generosidade política inesquecível e uma lição de patriotismo real com o qual, finalmente, podemos nos perfilar sem a mácula do adesismo partidário ou do fervor imbecil das patriotadas. Lula, esse mesmo Lula que setores da imprensa brasileira insistem em classificar de títere do poder chavista em Honduras, outra vez passou por cima da guerrilha editorial e da inveja pura e simples de seus adversários. Falou, como em seus melhores momentos, direto aos corações, sem concessões de linguagem e estilo, franco e direto, como líder não só da nação, mas do continente, que hoje o saúda e, certamente, o aplaude de pé.

Em 2016, o cidadão Luiz Inácio da Silva terá 71 anos. Que os cariocas desse futuro tão próximo consigam ser generosos o bastante para também aplaudi-lo na abertura das Olimpíadas do Rio, da qual, só posso imaginar, ele será convidado especial.